A Bela e a Fera | Interpretação Esotérica
“Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus”. (Rm 8,19).
A Bela e a Fera é um conto de fadas francês, escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot em 1740. A obra foi lançada como um romance para adultos e tinha aproximadamente 300 páginas. Dezesseis anos mais tarde, Jeanne-Marie Leprince reescreveu a história, adaptando-a para o público infantil. Desde então, muitas variantes da versão infantil surgiram por toda a Europa. Em 1991, a Walt Disney Pictures produziu um filme de animação da versão de Jeanne-Marie Leprince, dirigido por Gary Trousdale e Kirk Wise. O presente texto é baseado neste filme.
À primeira vista, a “A Bela e a Fera” parece ser um conto comum, cuja finalidade é transmitir valores morais para crianças. No entanto, esse conto também encerra Verdades espirituais profundas, envoltas por simbolismos e alegorias. Se tais Verdades foram colocadas ali deliberadamente, o autor do presente texto desconhece, não obstante, aquele que possui a chave oculta*, consiga enxergar o trabalho de “mãos invisíveis” que auxiliaram Madame Leprince em sua adaptação. Não foi sem razão que esse conto foi amplamente difundido pelo mundo.
O conto é protagonizado por Belle (Bela) e o Monstro (Fera). O nome Belle significa bela. Do latim bela que significa bonita, justa. A raiz Proto-Indo-Europea da palavra Belle é dwenelo. O diminutivo de dwenelo é deu, que significa “fazer”, “desempenhar”, “servir”, “reverenciar”. A mesma raiz diminutiva forma outras palavras como beatitude, beatificar, bento, bendito, benção, embelezar. Belle, além de inteligente (razão), demonstra determinação, bondade (ética) e doçura (beleza). Ela também expressa os principais atributos do Feminino Ontológico: Pureza e Imaginação. Por isso, Belle resgata a Beleza conforme a proposta de Platão, isto é, o Belo unido àquilo que é Bom e o Verdadeiro. A Beleza é o Bem que se faz amar; e o Bem é a Beleza que cura e vivifica.
O Feminino ontológico de Belle é contrastado frente ao feminino decaído de três trigêmeas idênticas, com cabelos loiros e olhos verdes. Elas representam o ser humano de individualidade fraca, regido pela coletividade materialista de seu tempo. Nos quadrinhos da Marvel de 1994, as trigêmeas são conhecidas como as Bimbettes. Bimbo é uma gíria americana que significa “mulher jovem e atraente, porém tola, estúpida ou inepta”. O trio apresenta contornos sensuais, maquiagem pronunciada, decotes em seus vestidos e uso de espartilhos. Bela, por outro lado, aparece com suavidade em sua maquiagem e apresenta uma beleza que apela por nosso Coração. As Bimbettes despertam o desejo de gratificação sexual; já Belle, desperta o Amor. O vestido branco e azul de Belle pode ser associado à representação da Santa Virgem, Mãe de Deus. No caminho da realização espiritual, a pureza é necessária tanto para a iluminação da consciência como para superar aquilo que é falso.

Figura 1 – O homem escravo da sensualidade. Atualmente, as bimbettes são interpretadas como as mulheres que se libertaram do machismo. Tal interpretação é fruto da mentalidade materialista pós-moderna.
No Apocalipse de João, encontramos uma descrição do Divino Feminino contrastado com o feminino caído. O Divino, é descrito como “a mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”.

Figura 2 – Belle é representada pelo Feminino ontológico, recuperado pela Virgem Maria.
Por outro lado, nos excertos a seguir: “na dor darás à luz filhos” e . . . “a mulher sentada sobre uma Besta escarlate . . . vestida com púrpura e escarlate, adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas, tendo na mão um cálice de ouro cheio de abominações e das impurezas da sua prostituição”, representam-se o feminino caído.
Platão foi um grande iniciado e frequentemente difundia verdades ocultas. Ele afirma, em sua obra A República, que as Artes não são a esfera primária em que a beleza opera. Existem formas de beleza que não podem ser conhecidas apenas pela percepção, que pode ser facilmente subjugada por emoções transitórias. É preciso “capturar” a Beleza, que é expressão direta da Verdade e da Moral. Assim, o Belo que se separou tanto do Bem quanto da Verdade e os perdeu de vistas limitando-se a pura fruição desprovida de obrigação e responsabilidade.
Belle é filha de Maurice, um inventor considerado sem juízo ou “maluco”. Embora o filme apresente esse homem com características fracas e atrapalhadas, ele era, na verdade, regido por sua própria individualidade e ambição. Por isso, labutava para conquistar o conhecimento, atributo representado por suas invenções.
Convencido por Belle, Maurice decide levar suas obras originais para apresentação em uma feira. Durante a viagem, no entanto, ele se perde na floresta e, subitamente, sofre ataque feroz de uma alcateia. Em fuga, encontra um grande castelo, no qual procura abrigo. Sem saber dos perigos ali existentes, ele adentra no castelo e se depara com um terrível monstro que o fez prisioneiro.
Vamos lançar luz nos ensinamentos ocultos contidos nesta parte do conto. Na lenda maçônica (conforme apresentado por Max Heindel, no livro Maçonaria e Catolicismo) aprendemos que Caim herdou características do Anjo Lucífero, Samael. Samael é possuidor de natureza semidivina. É agressivo, progressista e impaciente a repressão. Inclinado a provar as coisas pela luz da razão, Caim acreditava mais nas obras do que na providência Divina. Por isso, com intrepidez, procurou transformar a aridez dos desertos do mundo, num jardim cheio de vida e beleza.
Conseguirmos ver por trás da roupagem de homem fraco, colocado na personagem Maurice, será fácil perceber que suas invenções são resultado do mesmo progressismo de Samael. Do mesmo modo que Caim labutava e cultivava o solo “para fazer crescer duas folhas de grama onde só crescia uma”, assim também Maurice desenvolvia suas invenções com objetivo de tornar melhor o Mundo Físico. A diferença é que Maurice não expressa a agressividade destruidora de Caim.
Lembremos que a literatura Rosacruz nos orienta sobre a origem da razão. Essa faculdade foi-nos dada pelos “Poderes das Trevas” (Os Senhores da Mente) e permitiu o desenvolvimento de um cérebro, ao custo da metade da força sexual. A mente foi também estimulada pelos egoístas Lucíferos. Maurice, claramente percorre a linhagem de desenvolvimento intelectual da experimentação, em vez da linhagem da devoção que é muito mais dependente da Providência Divina.
A viagem de Maurice para apresentar suas obras originais numa feira, representa as consequências da rejeição Divina a Caim. A lenda já mencionada ensina que o Deus Jeová desprezou as oferendas de Caim. Isso porque Jeová desejava cultivas apenas filhos obedientes as suas Leis. As oferendas de Caim continham a tensão da rebeldia lucífera que procuravam descanso pela originalidade de “fazer crescer duas folhas de grama onde só crescia uma”. Esse descontentamento com aquilo que “já é perfeito”, segundo a Lei de Jeová, determinou sua rejeição. Descontente, Caim caiu no erro de assassinar seu Irmão Abel.
De volta ao conto. Perde-se na floresta ao ponto de nem mesmo conseguir apresentar suas obras na feira, representa o mesmo desprezo sofrido por Caim. Aqui, Maurice se vê sozinho e perdido. Sem orientação e visão espiritual, ele é perseguido por lobos. Os lobos representam a sua própria natureza inferior. Refém dessa natureza, ele é aprisionado no castelo da Fera, que corresponde ao aprisionamento do Espírito na matéria (Corpos) que agora envelhecem, adoecem e morrem. A Fera, representa a Animalidade Natural e Sagrada, mas que está decaída. O Castelo e os demais objetos animados que lá vivem, representam toda a natureza, mas que também está decaída.
Assim, analogamente àquele que come do fruto da árvore do conhecimento tem como consequência ser coberto por uma “túnica de pele”, também Maurice se depara com uma Fera, a qual simboliza uma vestimenta bestial que ele deverá agora usar para buscar sua própria salvação. Essa vestimenta é um Corpo que agora envelhece, adoece e morre. A Fera, O Castelo e os objetos animados que lá vivem representam a Natureza Decaída, a Animalidade Natural e Sagrada tornada bestial pelo ser humano.

Logo que Maurice foi aprisionado pela Fera, Belle intui que algo estava errado e sai à procura de seu pai. Ao encontrá-lo prisioneiro do Monstro, implora para tomar o lugar de seu pai. O monstro aceita sua oferta e liberta Maurice. Belle assume a cruz de seu pai.
A prisão de Belle pode ser interpretada sob dois aspectos. O primeiro diz respeito à liberdade de Maurice. Ao aceitar a prisão de Belle em seu lugar, Maurice sacrificou sua Pureza, seu Princípio Feminino Divino. Com efeito, ele ganha uma falsa liberdade que é a mesma liberdade oferecida por Lúcifer a Adão e Eva no Jardim do Éden: “vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal” Gênesis 3:4,5. A falsa liberdade é a inauguração do círculo contínuo e fechado de renascimentos (ouroboros), o qual representa a prisão à Lei de Consequência.
(Fim da Parte 1 – Continua).